3 Lições de Harry Potter para Relembrar em Tempos Difíceis

Em tempos difíceis é bom relembrar três lições básicas que Harry Potter nos ensinou.

Ilustração de cena dos livros Harry Potter.

*Contém spoilers dos livros da série Harry Potter.

Vivemos tempos sombrios em que o discurso de ódio, a truculência e a ignorância são premiados com o mais alto cargo de liderança em uma nação. O momento é de tristeza e preocupação pelo nosso futuro. Mas passada a ressaca emocional, renovo minhas esperanças ao olhar em volta e perceber que há muitos comigo na resistência. Que não precisamos andar sozinhos e que valores como empatia, solidariedade, amizade e amor prevalecem entre os nossos.

Nessa busca por apoio e fraternidade, descubro que além dos aliados de carne e osso conto também com uma fonte considerável de inspiração e força da parte das mais variadas obras de ficção que tive o prazer de consumir ao longo da vida. Histórias fictícias, sim, mas que trazem lições valiosas que fortalecem e reafirmam as minhas escolhas e o caminho que decidi traçar. Como boa millennial que sou, uma dessas histórias não poderia deixar de ser a do garoto que sobreviveu.

Pensando nisso, trago três das mais importantes lições que Harry Potter me ensinou, que adquirem especial relevância no momento que vivemos. Lições que parecem simples, clichês ou até óbvias, mas que vêm sendo tão facilmente ignoradas e esquecidas. São elas:

Nós precisamos uns dos outros

harry potter

As relações humanas são complexas e por vezes torturantes, mas absolutamente necessárias. Fazer conexões, dialogar e empatizar nos torna menos suscetíveis de cair em discursos baratos que promovem o ódio e a violência. De nada adianta “vencer” na vida e falhar naquilo que realmente importa: bondade, respeito, coragem, generosidade, lealdade, justiça, sabedoria, amor.

Além disso, ninguém é capaz de lutar sozinho contra a apatia, o autoritarismo, o preconceito, o egoísmo, a intolerância, a opressão. Harry Potter nos mostra isso. No fim, é ele quem desfecha o golpe que liquida Voldemort, mas de forma alguma este é um feito solitário. Ao longo de toda a trama, a força, o apoio, as habilidades, os conhecimentos e as competências de outras pessoas complementam e sustentam os esforços de Harry. E mesmo no momento em que ele está sozinho e se dirige à Floresta Proibida para entregar a própria vida e salvar as de quem ama, ele conta com o apoio daqueles que já partiram, mas significaram tanto, para fazer o que precisa ser feito:

“Uma brisa gelada que parecia emanar do coração da Floresta ergueu os cabelos na testa de Harry. Sabia que eles não o mandariam ir embora, que isto seria uma decisão dele.

– Vocês ficarão comigo?

– Até o fim – respondeu Tiago.

– Eles não poderão vê-los?

– Somos parte de você – disse Sirius. – Invisíveis a todos os outros.

 

Harry olhou para a mãe.

– Fique perto de mim. – disse baixinho.

E ele começou a andar. O frio dos dementadores não o envolveu; atravessou-o com seus companheiros, e eles produziram o efeito de Patronos, e unidos marcharam entre as velhas árvores que cresciam muito juntas, seus ramos emaranhados, suas raízes repletas de nós e torcidas sob seus pés. Naquela escuridão, Harry segurou a capa bem junto do corpo, se embrenhando cada vez mais na Floresta, sem fazer ideia do lugar exato em que estava Voldemort, mas certo de que o encontraria. Ao seu lado, quase sem fazer ruído, caminhavam Tiago, Sirius, Lupin e Lílian; a presença deles era a sua coragem e a razão pela qual era capaz de pôr um pé à frente do outro.”

Voldemort, por sua vez, incapaz de entender o real poder das relações humanas, estava em profunda desvantagem em relação a Harry Potter, apesar do seu poder, talento e habilidades mágicas superarem em muito os do garoto.

As conexões que fazemos se tornam parte de nós, compõem o nosso caráter e alimentam a nossa coragem. Não tenha medo ou vergonha de buscar força, apoio e inspiração em outros. Você não está e não precisa estar sozinho.

Amar nos torna mais fortes, não mais fracos

harry potter

Somos levados a crer que tudo que nos torna mais vulneráveis, enfraquece. Entender vulnerabilidade como fraqueza é também acreditar que ficamos desprotegidos quando nos permitimos viver nossas emoções. Afinal, existe algo que nos deixe mais vulneráveis do que sentir?

No entanto, é a vulnerabilidade que os sentimentos nos trazem que permite que nós façamos conexões significativas com quem compartilhamos nossas vidas. É ela que nos torna receptivos para o amor, para a amizade, para a empatia. E é permitindo que nos engajemos profundamente em nossas relações humanas, que criamos uma base sólida na qual podemos nos apoiar. Contra todas as expectativas, é isso que nos deixa mais fortes, não mais fracos.

Através de Harry Potter, J.K. Rowling faz uma grande campanha em favor do amor. No começo, Harry é incapaz de enxergar como ser capaz de amar é um poder mais forte do que qualquer outro que Voldemort possa ter. Mas é ele, no final, que garante a sua vitória. É o poder do amor, por exemplo, que não permite que Voldemort possua o seu corpo no Ministério após a morte de Sirius.

“Cego e moribundo, cada parte do seu corpo gritando por alívio, Harry sentiu a criatura usando-o mais uma vez…

– Se a morte não é nada, Dumbledore, mate o garoto…

Faça a dor passar, pensou Harry…faça ele nos matar…acabe com isso, Dumbledore…a morte não é nada em comparação…

E reverei Sirius.

E o coração de Harry se encheu de emoção, as espirais da criatura se afrouxaram, a dor desapareceu; ele estava deitado de borco no chão, sem óculos, tremendo como se estivesse deitado sobre gelo e não madeira…”

É o poder do amor que lhe dá forças para se entregar a Voldemort e fazer o que precisa ser feito.

“Dumbledore sabia, tal como Voldemort, que Harry não deixaria ninguém morrer por ele, uma vez que descobrisse que estava em seu poder impedir isso. As imagens de Fred, Lupin, e Tonks deitados, sem vida, no Salão Principal tornaram a invadir sua mente, e por um momento ele mal pôde respirar: a Morte se impacientava…”

É o poder do amor que faz com que Narcisa Malfoy minta para Voldemort, para poder voltar ao castelo e procurar o filho.

“- Você – disse Voldemort, e houve um estampido e um gritinho de dor. – Examine-o. Me diga se está morto.(…)

Mãos, mais leves do que imaginara, tocaram o seu rosto, ergueram uma pálpebra, se introduziram sob sua camisa e sentiram seu coração. Ele ouviu a respiração rápida da mulher, seus longos cabelos fizeram cócegas em seu rosto. Harry sabia que ela ouvia a pulsação ritmada da vida contra suas costelas.

– Draco está vivo? Está no castelo?

O sussurro era apenas audível; os lábios dela estavam a meros centímetros do seu ouvido, sua cabeça tão curvada que a cabeleira protegia seu rosto dos espectadores.

– Está – sussurrou ele em resposta.

Harry sentiu a mão em seu peito se contrair; as unhas o espetaram. Então, ela retirou a mão. Sentara.

– Está morto! – anunciou Narcisa Malfoy para os Comensais.”

É o poder do amor  que faz com que Snape arrisque tudo para protegê-lo depois da morte de Lílian Potter, mesmo que o professor não compreenda a força redentora desse sentimento.

“- Eu gostaria…gostaria que eu é que estivesse morto…

– E que utilidade isso teria para alguém? – perguntou Dumbledore, friamente – Se você amou Lílian Evans, se você a amou verdadeiramente, então o seu caminho futuro é cristalino.

Snape parecia espiar através de uma névoa de dor, e as palavras de Dumbledore levaram um longo tempo para alcançá-lo.

– Como…como assim?

– Você sabe como e por que ela morreu. Empenhe-se para que não tenha sido em vão. Ajude-me a proteger o filho de Lílian.

– Ele não precisa de proteção. O Lorde das Trevas se foi…

– O Lorde das Trevas retornará, e Harry correrá um perigo terrível quando isso ocorrer.

Fez-se uma longa pausa e lentamente Snape recuperou o controle, normalizou sua respiração. Por fim, disse:

– Muito bem. Muito bem. Mas jamais, jamais revele isso, Dumbledore! Isto deve ficar entre nós! Jure! Não posso suportar…particularmente o filho de Potter…Quero sua palavra!

– Dou a minha palavra, Severo, de que jamais revelarei o que você tem de melhor. – Dumbledore suspirou, olhando para o rosto feroz e angustiado de Snape. – Se você insiste…”

E é o poder do amor que o salva ainda bebê e inúmeras outras vezes ao longo da história, quando no começo de tudo sua mãe se oferece para morrer em seu lugar. A capacidade de Harry Potter e de outros personagens de sentir intensamente é o que os fortalece e fecha o cerco contra Voldemort, que nunca foi capaz de sentir nada de bom por ninguém.

Por isso, aja com estratégia e cuidado. Mantenha-se lúcido e com a cabeça fria. Mas permita-se sentir. No fim, isso faz toda a diferença.

Nossas escolhas são muito mais importantes do que as nossas qualidades 

Ilustração de cena dos livros Harry Potter.

Atitudes valem muito mais que do palavras, qualidades, crenças ou valores. A relevância dessa máxima nunca foi tão grande como o é agora.  De que adianta, por exemplo, ir à missa todo domingo e votar em um representante truculento e antidemocrático, que prega ódio contra grupos já historicamente oprimidos? Está aí a importância das nossas escolhas. Para o afortunado leitor de Harry Potter, essa é uma lição que aprendemos logo no começo da história.

“- Voldemort deixou um pouco dele em mim? – disse Harry, estupefato.

– Parece que sim.

– Então eu deveria estar na Sonserina – disse, olhando desesperado para Dumbledore. – O Chapéu Seletor viu poderes de Slytherin em mim, e…

– Pôs você na Grifinória – completou Dumbledore, serenamente. – Ouça, Harry. Por acaso você tem muitas das qualidades que Salazar Slytherin prezava nos alunos que selecionava. O seu dom raro de falar a língua das cobras, criatividade, determinação, um certo desprezo pelas regras – acrescentou, os bigodes tremendo outra vez. – Contudo, o Chapéu Seletor colocou você na Grifinória. E você sabe o porquê. Pense.

– Ele só me pôs na Grifinória – disse Harry com voz de derrota – porque pedi para não ir para a Sonserina…

– Exatamente – disse Dumbledore, abrindo um grande sorriso. – O que o faz muito diferente de Tom Riddle. São as nossas escolhas, Harry, que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades.”

Ao longo de toda a série, nós observamos os personagens fazerem escolhas que os definem. Apesar de todas as perdas, o abandono e de todo o potencial para fazer o mal escondido na alma fragmentada que Voldemort deixou dentro dele, Harry escolhe lutar contra o lorde das trevas, ao invés de se aliar a ele. Dumbledore, apesar de seduzido na juventude pela idéia dobem maior’, escolhe abandoná-la e se dedicar ao bem. Já Pedro Pettigrew escolhe servir o mal, embora possua dentro de si as qualidades necessárias para fazer o bem (são elas, no final, as responsáveis pelo seu fim). E Severo Snape, apesar de ter todas as qualidades para o mal, escolhe virar a casaca para o bem quando Voldemort mata a única pessoa que ele amava. Os exemplos são vários e todos provam repetidamente a importância das nossas escolhas e o quanto elas nos definem como seres humanos.

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Na ocasião do lançamento do último filme da série Harry Potter, J.K. Rowling disse, emocionada: “as histórias que amamos vivem em nós para sempre”. Não só vivem em nós, como fazem parte de nós, ajudando a moldar nosso caráter e fortalecendo a nossa empatia. Por isso, nesse momento difícil, estreite seus laços e lembre-se de tudo aquilo que te inspirou a escolher o caminho que trilha hoje, incluindo as estórias. A arte imita a vida, afinal, e há muita força, consolo e aprendizado na ficção.

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