11 Considerações que Brancos que Reclamam do Sistema de Cotas Precisam Fazer

Vem cá, colega branco, vamos fazer algumas considerações sobre o sistema de cotas para ensino superior…

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Querido colega branco que está reclamando do sistema de cotas,

Considere, antes de tudo, que a nossa realidade é resultado de coisas que aconteceram no passado. Perceba que a sua vida é apenas uma frase em um enorme livro – uma frase que não faz sentido algum fora de contexto.

Considere, agora, que o passado de nosso país é sangrento. Que a colonização do Brasil exterminou grande parte de sua população indígena (e o extermínio continua até hoje), e que os negros brasileiros passaram mais de 300 anos escravizados.

Considere que tanto a escravidão dos negros, como o extermínio dos índios foram justificados legalmente durante séculos pela ideia de que os brancos europeus eram moralmente, intelectualmente, biologicamente superiores.

Considere que uma vez que ficou custoso demais manter a escravidão e ficou claro que a abolição era inevitável, medidas foram tomadas para garantir a atuação e domínio dos grandes fazendeiros e impedir que ex-escravos tivessem alguma chance de adquirir terras próprias. Entenda que o processo inicial de regularização de posse de terras no Brasil se deu através de uma verdadeira indústria de falsificação de títulos de propriedade, com ampla participação dos cartórios. Perceba que sem recursos e sem conhecer os procedimentos, os ex-escravizados não tinham chance de participar desse processo.

Considere ainda que, após a abolição, a mão-de-obra negra foi desvalorizada e ignorada para dar espaço a uma ampla política que incentivava a vinda de imigrantes europeus. Entenda que a ideia de progresso estava fortemente atrelada à ideia de superioridade da raça branca, defendida em inúmeras teorias racialistas que fundamentavam uma concepção de mundo em que os ideais Liberdade, Igualdade e Fraternidade só se aplicavam entre brancos. Perceba que tal concepção de mundo justificou o subsídio dado pelo governo brasileiro aos milhões de imigrantes europeus que viriam para substituir a força de trabalho negra e para promover o branqueamento da população.

cotasJoão Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional (1911); Nina Rodrigues, criador da Medicina Legal Brasileira; e Silvio Romero, historiador antiescravocrata (1851 – 1914), provando que dava, sim, pra ser contra a escravidão e racista. (clique na imagem para ampliar)

 

Considere que tais políticas e entendimentos fizeram com que a população negra brasileira fosse abandonada à própria sorte, sem recursos e sem a menor chance de competir com a mão-de-obra dos imigrantes europeus (vistos, além de tudo, como a solução para o “problema racial” do Brasil). Perceba que mesmo que seus antepassados europeus tenham tido um início difícil no Brasil, suas condições ainda assim eram muitíssimo melhores que a dos negros brasileiros. Entenda que não houve, em nenhum momento, políticas ou reformas que visassem a integração dos negros socialmente e que isso praticamente destruiu a possibilidade de que eles pudessem ascender econômica, social e politicamente.

“Por elas vivem mendigos, os autênticos, quando não se vão instalar pelas hospedarias da rua da Misericórdia, capoeiras, malandros, vagabundos de toda sorte: mulheres sem arrimo de parentes, velhos que já não podem mais trabalhar, crianças, enjeitados em meio a gente válida, porém o que é pior, sem ajuda de trabalho, verdadeiros desprezados da sorte, esquecidos de Deus…(…) No morro, os sem-trabalho surgem a cada canto”.

Descrição do historiador Luiz Edmundo (1878-1961), em seu livro O Rio de Janeiro do meu tempo, sobre morro de Santo Antônio e suas moradias e vielas miseráveis.

Considere que tal condição foi passada de geração para geração, com ajuda férrea do racismo institucional. Entenda que isso tem relação direta com o fato de 76% dos mais pobres em nosso país serem negros, e com outros abismos entre brancos e negros, como o fato de cerca de apenas 10% das pessoas com ensino superior completo serem negras (antes das cotas esse número não passava de 2%); e de que brancos ganham salários 57% maiores do que negros. Perceba que no fundo você já sabia tudo isso, porque, apesar de 54% da população brasileira ser negra, você raramente vê pessoas negras em bairros ricos, em escolas particulares, em carreiras de prestígio, em cargos de liderança.

Considere, agora, que o sistema de cotas em universidades é a primeira tentativa verdadeiramente significativa de reparação e integração dos descendentes de ex-escravizados em mais de 120 anos de abolição. Entenda que a experiência do Brasil com cotas nas universidades já comemora mais de 10 anos em algumas delas, e que não se concretizou nenhuma das previsões pessimistas, que diziam, entre outras coisas, que a qualidade do ensino nas instituições iria cair ou que os alunos cotistas não conseguiriam acompanhar os não-cotistas.

cotas(Clique na imagem para ampliar)

 

Considere que o sistema de cotas beneficia também brancos em condição de vulnerabilidade social, mas que a aplicação exclusiva de cotas sociais sem as cotas raciais falham espetacularmente em incluir negros e indígenas. Entenda que isso foi provado tanto em estudos estrangeiros, como na análise do pesquisador Thomas Weisskopf de sistemas de cotas nos EUA e na Índia, como em estudos nacionais, como o da Universidade Federal de Grande Dourados, que descobriu que a reserva de 25% das vagas para alunos de escolas públicas não conseguiu promover a inclusão de negros e indígenas em nível proporcional ao da população.

cotasComo funciona o sistema de cotas. Fonte: Portal MEC (clique na imagem para ampliar)

 

Considere que a principal motivação por trás do sistema de cotas raciais é a de reparar injustiças históricas cometidas contra a população negra e indígena e combater o racismo institucional que impede a ascensão desses grupos. Entenda que tais medidas beneficiam você também, colega branco, pois a inclusão de grupos historicamente discriminados enriquece e avança a agenda política e social, e representa um passo na direção certa para que o Brasil se torne, de fato, uma democracia representativa digna do nome.

E por último, mas não menos importante: considere estudar mais, se informar mais, aprender mais sobre a história do nosso país. Faça tudo o que pode para não andar na contramão da justiça e do progresso. Não envergonhe seus filhos e netos com posicionamentos solidamente apoiados em racismo. Todos agradecem.

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