Entrevista com Dani Nega – O que a Atriz/MC Pode nos Contar sobre Apropriação Cultural

“Enquanto vivermos em uma sociedade racista, machista, sexista, misógina, homofóbica… nós não seremos iguais. É preciso reconhecer a cor da sua pele e de seus privilégios.”

dani nega

“A nossa força irracional não é pornografia. Nos fazem pensar que o prazer é uma fraqueza feminina. Então, acreditamos que devemos suprimi-lo para sermos realmente mais fortes. Eles e elas sabem que trazer a sensualidade da cama para as nossas vidas nos torna mais seguras. Deitamos mais satisfeitas e levantamos mais poderosas. Imaginem só o que pode acontecer quando uma mulher fortalecida resolve reagir contra toda a opressão? Gozar na vida me torna uma preta muito perigosa.

Este é um trecho do que a atriz-MC Dani Nega interpreta e canta com sua voz suave e discurso ácido. Além de falar sobre feminismo, suas músicas versam sobre apropriação cultural afro-brasileira, resistência ao racismo e política, e se expandem na parceria com o músico e produtor Craca Beat, seu parceiro de palco.

Da junção dessas duas potências, nasceu primeiro o single Sou Preto Mesmo, e em seguida o álbum Craca, Dani Nega e o Dispositivo Tralha, lançado no começo de julho e já eleito um dos discos do ano pela revista Noize. O resultado é um manifesto político-poético, com elementos étnicos e batidas sintetizadas aliados às rimas poderosas de Dani.

dani nega

Em “Sou Preto Mesmo”, Dani Nega traz à tona a questão da apropriação cultural, que se traduz na apropriação de símbolos e elementos tradicionais do povo negro, esvaziando-os de sentido e significado e diminuindo, assim, a luta do povo negro por respeito e visibilidade (saiba mais sobre apropriação cultural aqui, aqui e aqui).

Todo mundo buscando respeito, todo mundo querendo ser preto, todo mundo dizendo ser preto, sou preto mesmo! Será que é preto mesmo? Mas a polícia não pára, não! 

– Trecho de “Sou Preto Mesmo”

Craca, por sua vez, complementa a crítica trabalhando o visual das músicas. Por exemplo, o web vídeo que compõe a faixa Sou Preto Mesmo leva a personagem Betty Boop como figura principal. Isto porque ela marca um momento na história dos desenhos animados em que a técnica de rotoscopia foi amplamente difundida. Esse efeito era obtido ao filmar pessoas, geralmente cantores ou dançarinos negros, e depois sobrepor-lhes, quadro a quadro, com desenhos feitos a mão de personagens brancos.

Confira o web vídeo de “Sou Preto Mesmo”.

 

Além de MC, Dani Nega também atuou junto a importantes coletivos de teatro, com destaque para o pioneiro Núcleo Bartolomeu de Depoimentos – grupo que une o teatro épico à linguagem hip hop -, onde pôde desenvolver sua linguagem de atriz-MC. Foi apresentadora de programas de TV e no cinema trabalhou como atriz no longa-metragem “A Invasão de 76”, com direção de Ricardo Aidar.

Em conversa com a atriz-MC, tivemos a oportunidade de saber mais sobre o papel militante da arte de Dani Nega e também discutir um pouco sobre sua vivência e história em episódios que são a fonte de inspiração e força para o seu posicionamento artístico. Confira na entrevista abaixo!

Agora no começo de julho foi lançado o Craca, Dani Nega e o Dispositivo Tralha, que a revista Noize elegeu como um dos discos do ano! Como está sendo esse momento pra você?

Surpreendente. O disco é um manifesto político e a arte que fazemos vem acompanhada de uma militância. Então, acredito que esse tipo de trabalho não seja muito comercial e não chega em todos os lugares. Por isso me surpreende ser um dos discos do ano. Além disso, vem sendo uma delícia essa parceria com o Craca. Uma troca devidamente justa e de muitos aprendizados.

Uma das faixas mais instigantes do disco é a “Sou Preto Mesmo”, que fala sobre apropriação cultural afro-brasileira. Como foi o processo de criação dessa faixa? O que te fez querer incluir a pauta da apropriação cultural no seu trabalho artístico? Além disso, desde muito jovem você está inserida no meio artístico, tanto no teatro como na música. Como você percebe a apropriação cultural afro-brasileira nesse meio?

Essa música surgiu de um improviso que fizemos em um de nossos ensaios. Na semana desse ensaio, ocorreu um fato que me alimentou para esse improviso. Uma amiga me convidou para ir ao lançamento de uma dessas revistas grandes de moda. O tema da festa era África. Não fui à festa, mas depois fui olhar as fotos pela internet. Eles compraram tecidos africanos e tinham muitas pessoas de turbantes, só que a maioria daquelas pessoas eram brancas, os negros que tinham eram poucos.  E eu me perguntei: qual é o sentido de tudo isso onde a gente não é protagonista da nossa própria história?

É só a gente ter um pouco mais de visibilidade (conquistada com muito suor), é só a gente começar a ocupar alguns espaços (que são nossos por direito) que algumas coisas começam a virar mercadoria. E mesmo assim não somos os protagonistas. E ainda tem gente que desmerece a nossa luta com o discurso de que somos todos iguais. Infelizmente não somos. Enquanto vivermos em uma sociedade racista, machista, sexista, misógina, homofóbica… nós não seremos iguais. É preciso reconhecer a cor da sua pele e de seus privilégios.

A faixa Papo Reto traz o questionamento “Imaginem só o que pode acontecer quando uma mulher fortalecida resolve reagir contra toda a opressão?”, e invoca uma série de figuras femininas que fizeram História. Qual a importância da invocação dessa força feminina histórica – tanto para você, como para o público?

Acredito que devemos agradecer a todas aquelas que vieram antes de nós e que abriam caminhos e espaços para que pudéssemos estar aqui agora. Se não, onde estaríamos? É importante também beber no passado e se alimentar das histórias dessas mulheres. É importante para nos fortalecer e é importante também para mostrá-las e lembrá-las ao mundo, mostrar que essas mulheres existiram e que fizeram história.

A maior parte do seu trabalho discute questões caras à mulher negra. Como você entende o papel da sua arte na militância contra o machismo e o racismo?

Um ponto forte do Rap é a denúncia. O Mc denuncia e questiona o que te inquieta, o que está à sua volta, conta a história do seu povo. Os questionamentos que trago nas minhas música são questionamentos de uma mulher negra lésbica que ama e que vive em uma sociedade machista, racista, homofóbica e misógina. O meu papel é questionar. É denunciar. É trazer esses temas para o campo da discussão.

Quando e como você percebeu que poderia aliar o seu posicionamento artístico com o seu posicionamento político? Quanto de empoderamento essa aliança te trouxe?

Quando eu descobri que poderia juntar o meu trabalho de Atriz com o meu trabalho de Mc me tornando Atriz/Mc. Aprendi que Atriz/Mc é aquela que narra a sua própria história e que não precisa que ninguém conte por ela por você. Ou seja, se eu tô com o microfone é tudo no meu nome. A Atriz/Mc é um ser político que discute o seu tempo. A sua visão de mundo caminha junto com a sua arte. Ser Atriz/Mc me mostrou a mulher que sou. E ser o que se é nos lugares que você mais deseja estar é o que chamo de liberdade.

Quais são os seus próximos planos? O que podemos esperar de Dani Nega para um futuro próximo?

Já estamos trabalhando no próximo disco da Dani Nega que será produzido pelo Felipe Julián (o Craca). O disco que acabamos de lançar “Dispositivo Tralha” é um disco mais eletrônico, uma proposta feita pelo Craca. Esse novo trabalho é uma proposta minha. Um disco com algumas influências do Neo Soul, do Funk, do R&B, do eletrônico… Enfim, um disco que pode ser tudo, pois ainda está em processo (risos).

dani negaTemos certeza que será tudo e mais um pouco!

 

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