18 Xingamentos que Revelam o Machismo na Sociedade

Como verificar se uma sociedade é machista, método fácil: dê uma olhada nos seus xingamentos.

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Entre as inúmeras estratégias de controle social, uma das mais eficazes é a ridicularização  – de discursos, opiniões, pessoas e até de grupos inteiros. Afinal, ninguém quer ser ridículo, pois ser ridículo significa ocupar uma posição socialmente inferior. É perder credibilidade e status.

Pode parecer exagero, mas em tempos primitivos ser aceito socialmente era fundamental para se manter vivo. Era a diferença entre conseguir dormir perto da fogueira ou ser obrigado a dormir com um olhão aberto por causa de predadores em busca de humanos desgarrados e subnutridos. Por causa disso, hoje em dia o nosso cérebro praticamente pifa quando somos ridicularizados. Nossas reações costumam variar entre querer cavar um buraco e se enfiar lá dentro, gaguejar incompreensivelmente ou mesmo corar até sair fumacinha de dentro das orelhas. Mas existe uma reação que é absolutamente universal: a vontade imediata de se distanciar ao máximo do que quer que seja que nos colocou na situação hedionda de ser alvo de piada.

xingamentosNão é a toa que a ridicularização de feministas (“mimimi”, “feminazi”, etc) é um método tão utilizado para desqualificar o movimento e afastar as mulheres dele (há mais de um século, diga-se de passagem).

 

Com isso, a ridicularização funciona muito bem tanto como uma forma de silenciamento, como de conformização, na medida em que pauta o que é aceito e o que não é para o restante da sociedade. O que nos leva ao assunto central desse texto: xingamentos.

Dentro de todo o espectro da ridicularização e tiração de sarro de indivíduos e grupos, a categoria que provavelmente mais reflete e reafirma os ‘podes’ e ‘não podes’ de uma sociedade é a dos xingamentos. Através deles, recebemos a deixa de como devemos e não devemos nos comportar desde a mais tenra idade. E é através deles que percebemos que os comportamentos permitidos não são os mesmos para homens e mulheres.

xingamentosA velha história dos dois pesos, duas medidas.

 

Quem estudou isso a fundo foi a pesquisadora Valeska Zanello, do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB). Entrevistando setecentas pessoas de todas as faixas etárias e classes sociais, Zanello publicou um estudo que revela quais são os xingamentos mais ofensivos para mulheres e para homens no Brasil.

Levando-se em consideração que quanto mais ofensivo é considerado um xingamento, mais ele representa as opressões e preconceitos de nossa sociedade, os resultados não são nada surpreendentes. Enquanto para mulheres o xingamento mais ofensivo é “puta”, refletindo o rígido controle exercido sobre os seus corpos e sexualidade, para os homens a pior coisa é ser chamado de “veado” – um xingamento homofóbico com forte carga misógina, pois “ser veado” é se aproximar da condição “inferior” e “submissa” das mulheres.

xingamentosUm resumo dos resultados da pesquisa.

 

De acordo com Zanello: “Enquanto os homens são vítimas de agressões verbais que os afastam do padrão de virilidade imposto à figura masculina da nossa sociedade, as mulheres, que tradicionalmente estão destinadas a um papel de recato, quando xingadas recebem como ofensas palavras que se referem a situações que a sociedade não aceita como ideais para elas, já são aquelas relacionadas a um comportamento de promiscuidade. (…)  Isso de certa forma reflete a naturalização que a sociedade lida com a misoginia, à medida em que ela é incapaz de observar tais situações como momentos de desqualificação e violência contra a mulher”.

Assista ao excelente TEDx com a professora Valeska Zanello para saber mais sobre a pesquisa.

 

“Ah, mas homens também sofrem com isso! Também tem machismo nos xingamentos contra eles” – alguém aí está dizendo.

Sim, claro que tem. Mas esse machismo não afeta homens e mulheres da mesma forma e com a mesma intensidade. Ao contrário do que ocorrem com os xingamentos direcionados a mulheres, que reforçam e validam o controle sobre ela e a sua posição inferiorizada na sociedade, os xingamentos direcionados a homens não os oprimem. Pelo contrário: eles contribuem para a manutenção do gênero masculino como dominante e opressor. No fim do dia, por mais que um homem se sinta mal por ter sido xingado de pinto pequeno, ele ainda será um homem que goza de inúmeros privilégios dos quais as mulheres não se beneficiam simplesmente por serem mulheres.

Além disso, os xingamentos que mais incomodam os homens tem relação estreita com estereótipos de gênero que associam masculinidade com violência, poder, controle e dominância – o que impacta negativamente a vida das mulheres. Construídos em oposição aos femininos (mulheres são fracas / homens são fortes; mulheres são sensíveis / homens são durões), esses estereótipos são resultado de uma cultura machista que promove a submissão e inferiorização da mulher, e as coloca como alvo da violência, controle e dominação dos homens. Pense nisso: 50,3% dos homicídios de mulheres no Brasil são cometidos por familiares, sendo que 33,2% são cometidos por parceiros ou ex-parceiros. Um estupro acontece a cada 11 minutos. Uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil a cada 4 minutos. Homens também sofrem com estereótipos de gênero, ninguém nega isso, mas mulheres sofrem pelos femininos e pelos masculinos.

Por isso,  fiz uma pequena lista para refletirmos sobre o que eles de fato significam. Afinal, conseguir enxergar os mecanismos de opressão por trás da linguagem é um passo importante para lutar contra eles.

*Alerta: muitos palavrões abaixo.

18 Xingamentos que Revelam o Machismo na Sociedade:

Puta/Vagabunda/Piranha/Vadia: Implicam na não-aceitação do exercício da sexualidade feminina e na retirada do controle das mulheres sob seus próprios corpos. Mulheres belas, recatadas e do lar são historicamente tidas como ideais no imaginário machista.

xingamentosUma noção que, felizmente, está sendo questionada.

 

Veado Xingamento homofóbico com forte carga misógina, pois “ser veado” é se aproximar da condição “inferior” e “submissa” das mulheres.

Filho da puta – Mesmo quando dirigido a homens, o insulto é direcionado a mulheres. O homem, nesse caso, deve se sentir ofendido por ser filho de uma mulher que não obedece as regras que restringem a sexualidade feminina.

Mal comida – Um xingamento que coloca a piroca como ser mágico, capaz de curar tudo.
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Vira homem! – A implicação é que o jeito certo, forte, desejado de fazer as coisas é como um homem. Um bom contraponto está no xingamento “Você -insira aqui a atividade- como uma moça/mulher/mulherzinha/menininha!”. Ou seja, fazer coisas/ser como uma mulher é ruim. Já fazer coisas/ser como um homem é bom.

Chupa! – Pode ser que esse xingamento tenha origem na expressão “chupa essa manga”, mas hoje em dia o sentido é de “chupa meu pau”. “Chupar um pau”, para a nossa sociedade heteronormativa, é coisa de mulher – ou seja, uma atividade inferior. Também implica em dominação – quem chupa é visto como alguém em posição de submissão.

Corno – Assim como em ‘filho da puta’, xinga-se a mulher para se atingir o homem.

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Pinto mole/pinto pequeno/broxa – Ferem a ideia de virilidade relacionada a atividade sexual e colocam a piroca como definidor de masculinidade e poder. Um homem com um pinto pequeno ou que não funciona direito não seria um homem, e portanto se aproximaria da condição “inferior” e “submissa” das mulheres.

Louca/Histérica – Dois termos que foram historicamente usados pra rebaixar a mulher com o aval da ciência e caracterizá-las como incapazes e não-confiáveis.

Mocréia/Baranga/Gorda – Relacionam-se ao ideal machista de que o maior valor de uma mulher está na sua aparência. O xingamento ‘gorda’ nos dá um vislumbre do padrão de corpo considerado ideal para mulheres. Não há equivalentes masculinos para mocréia e baranga, e chamar um homem de gordo não tem um décimo da carga negativa que tem chamar uma mulher de gorda.

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